Ishtar, a Grande-Mãe da Babilônia e dos Acadianos

Ishtar Eshnunna Louvre AO12456.jpg
(Ishtar segurando seu símbolo. Imagem de Eshnunna, datando do 2º Milênio AEC)

 Ishtar, também conhecida como Istar, era uma das Grande-Mães do Antigo Oriente. Era ela quem regia o amor, a fertilidade, a sexualidade feminina e também as guerras. Era conhecida como ''A Rainha dos Céus'' e como a Grande Deusa, não tinha só a lua como símbolo, mas também as estrelas e o planeta Vênus.  
                               

 Era comumente associada com Inanna, não só por suas características de fertilidade e amor, mas por sua essência celeste e maternal. Bem como a fenícia Astarte, as Ugaríticas Anat e Asherah e a síria Atargatis. Também foi equiparada à deusas como Ísis e Hathor, no Egito.

"Ishtar está vestida com prazer e amor,
 Ela é carregada com vitalidade, charme e voluptuosidade.
 Em Seus lábios Ela é doce, a vida está em Sua boca. 
Na Sua aparência ,Sua alegria torna-se completa.
 Ela é gloriosa; véus são lançados sobre a cabeça Dela. 
Sua figura é linda, Seus olhos são brilhantes. 
A Deusa.. com Ela há conselhos. 
Ela tem o destindo de tudo nas mãos.
 Sm Seu olhar é criado alegria,
 Energia, magnificência, a proteção divina e o espírito guardião... "
 - Hino à Ishtar -

 Anteriormente Ishtar era uma deusa de fertilidade, deusa celeste e independente, sendo assim ela era uma deusa sem consorte. Reinava sozinha nas grandes cidades babilônicas, era vista como filha do deus celeste Anu, que logo depois veio a se tornar seu consorte, provavelmente por contextos patriarcais. Já em outras fontes, diz-se que Ishtar era a filha da deusa Ningal e do deus Nanna, era também irmã do deus Utu (Sincretizado como Marduk pelos sumérios) e da deusa do submundo Ereschkigal. 
 Sabe-se, obviamente, que Ereschkigal é uma deusa da suméria e irmã de Inanna, também conhecida como ''A Outra Face de Inanna'', e acontece que Ishtar teve muito de seu culto sincretizado com os de Inanna, tomando pra Si os seus mitos e alguns epítetos. 
 Ishtar como Rainha do Céu (Scharrat Scham) representava uma infinidade de possibilidades de envolvimento espiritual, magia e cura. Era ela a rainha das estrelas, a deusa das núvens e da Lua. Bem como a Lua que possui suas fases e suas mudanças, Ishtar possuía seus epítetos ''escuros'' que se envolvem com a guerra e promiscuidade como Absusu (um título sumeriano de Ishtar que significa ''Promíscua"), Hanata (um título de deidade guerreira).
 Ainda com as associações lunares de Ishtar, pode-se levar em conta os epítetos que a associam como deusa fértil, benevolente, brilhante e sexualizada. As associações com o planeta Vênus também estão presentes em toda sua jornada pelo antigo oriente:

Kilili: Ishtar como símbolo da mulher promíscua e independente (a antiga ideia da virgem) cujo comportamento devasso inspira excitação e uma tremenda ansiedade em muitos daqueles que a desejam.
Gumshea: Gumshea é a deusa mesopotâmica da vegetação e fertilidade, porém teve o nome assimilado com a deusa Ishtar.
Siduri (Shiduri, Shidurri): Ishtar em seu disfarce como gerente e produtora de vinho na história do herói Gilgamesh.
Zanaru: Um titulo para Ishtar que significa ''Senhora das Terras''.
Zib: Ishtar como Vênus, a Estrela da Noite, e deusa do amor.

Detail of the Ishtar Gate:
(Detalhe do Portão de Ishtar, construído na entrada da Babilônia, de 575 AEC)

"Heródoto, escrevendo sobre Babilônia, no século V AEC, constava que cada mulher, pelo menos uma vez na vida, tinha que ir para o templo de Ishtar, e sentar-se lá esperando até que um estranho lançar uma moeda em seu colo como o preço de seus favores. Em seguida, ela era obrigada a ir com ele para dentro do templo e ter relações sexuais, para doar o seu dever à deusa. A história é provavelmente altamente imaginativa, no entanto, o escritor do segundo século, EC, Lucian descreve, aparentemente, a partir do conhecimento pessoal, um costume muito semelhante no templo de 'Afrodite' (provavelmente Astarte) em Byblos no Líbano."
- Black and Green, Gods, Demons and Symbols of Ancient Mesopotamia

 Nas antigas tradições do Oriente Médio, bem como posteriormente na Grécia e Roma, era muito comum que nos templos de grandes deusas da fertilidade tivessem em seus templos o que chamava-se de ''Prostituição Sagrada''. Esta prática era associada à fertilidade e prosperidade onde eram feitas nos templos destas deusas, Inanna, Hathor Astarte e Ishtar. 
 Muitas das sacerdotisas, nestes templos, representavam a materialização da própria deusa e tinham o ato sexual como uma conexão direta à deusa ou como forma de oferenda. Geralmente os homens que representavam o deus, sexualmente ativo, como Marduk, Dumuzi, Osíris ou Tamuz, eram os sacerdotes destes templos que serviam aos deuses. Quando não, essas sacerdotisas escolhiam homens, que visitavam a cidade, e os levavam para o templo, vendados, e o ''sacrificavam-os'' para à deusa. Esta prática de buscar os homens nas ruas dos templos, na Suméria, era um ato ligado à Lilith (deusa da sexualidade feminina e da liberdade, considerada o braço direito de Inanna) que trazia os escolhidos ao templo de Inanna.
 Ishtar tinha suas sacerdotisas nos templos que mantinham relações sexuais com os sacerdotes ou com os visitantes e davam o dinheiro, dos que as procuravam, para o templo. E eram essas sacerdotisas as encarregadas de trazer a fertilidade às terras, bem como bênçãos e proteção, dos deuses, aos reis.


''As representações de Ishtar a mostram de várias formas: a mãe que segura os seios fartos, a virgem guerreira, a insinuante sedutora, a sábia conselheira, a juíza imparcial. Nas terras semitas, Ishtar era descrita de diversas maneiras: como soberana coroada com chifres ou portando uma tiara encimada por um cone (a representação da montanha sagrada), segurando uma espada, um cetro envolto por serpentes ou os chifres de um touro. Como guerreira ela tinha asas ou flechas saindo dos seus ombros, era armada com arco e flecha e pisava sobre um leão. Em outras imagens aparecia carregada numa carruagem puxada por sete leões, sentada no seu trono decorado com leões, voando nas asas de um grande pássaro, em pé segurando seus seios ou elevando o ramo sagrado. Podia aparecer sozinha ou acompanhada por dragões, cercada por suas sacerdotisas que formavam uma estrela de oito pontas ao seu redor. Como detentora do “Cinto de Ishtar (ou Inanna)” a Deusa aparecia cercada por um círculo de estrelas ou o próprio zodíaco, às vezes sendo identificada com Sirius, a estrela mais brilhante, associada ou regendo as constelações de Virgem e Escorpião.'' -Mirella Faur.

 Em uma história paralela ao mito de Perséfone, Ishtar é forçada a visitar sua irmã, Ereshkigal, no submundo e, finalmente, conhecer a experiência da morte. Existem muitas variações sobre o mito. Às vezes o motivo para viajar ao submundo é um desejo de poder e do trono de sua irmã. Em outras versões da história, seu amante Dumuzi, o Deus Pastor, foi levado para o submundo por Galla, o demônio, e ela deve tentar resgatá-lo. Em ainda outras versões, Ishtar voa em um ataque de fúria sobre a popularidade de Dumuzi com os humanos e a própria condena seu amante para a vida no submundo. Como Ishtar viaja através dos sete portões do submundo, ela é forçada a desistir de todas as coisas terrenas, todos os emblemas de poder e tornar-se nua e indefesa na morte. Ishtar é finalmente resgatada da morte e renasce, mas Dumuzi é obrigado a permanecer no submundo pela metade do ano como seu substituto. Durante a metade do ano que o Deus Pastor está morto, a terra permanece estéril e infrutífera.
 Esta Grande Deusa acádio-babilônica representa um desenvolvimento posterior e mais complexo da sumeriana Inanna, e de seu filho/amante Tammuz que desempenha o papel do deus da vegetação. Ela não é apenas uma forma de realização da sexualidade e fertilidade, a "Senhora da Batalha" e uma deusa da cura, mas também é ela quem concedeu aos antigos reis o direito de governar sobre seu povo. Sua fama chegou às terras hititas e hurritas da Anatólia, a Suméria, Egito e aos assírios. Aqui especialmente - na Assíria e no Egito - ela era venerada como uma deusa da batalha e está representado com arco, flecha e espada; seus símbolos de coragem são representados por sua leoa-corcel.
 Muitos são os lugares onde santuários foram erigidos para ela e seus nomes invocados. O mais famoso destes são Nínive, Aleppo e Babilônia, onde um belo templo para ela foi erguido em cerca de 550 AEC. Mas também os antigos templos de Inanna, também, se tornaram um lar para Ishtar. O principal templo de Ishtar na Babilônia foi chamado Eturkalamma. Ela também era adorada nas cidades de Uruk, Akkad e Kisch.
 Nos templos de Ishtar, e talvez até mesmo na lareira das famílias, as estátuas da deidade foram oferecidas com refeições abundantes. No templo, os sacerdotes, sacerdotisas, e outros agentes dos deuses preparavam grandes festas, matando muitos animais na expectativa de uma oferta. Imagens dos deuses, que viviam no santuário interior do templo, eram privadas por trás de uma cortina para 'lavar' antes das refeições. A cortina era aberta para que a refeição poderia ser servida, mas depois fechava-se novamente para que os deuses pudessem desfrutar de sua comida e bebida em privacidade. A comida, uma vez que tinha sido ritualmente utilizada, era então redistribuída entre o pessoal humano do templo. Alguns historiadores acreditam que a festa também teria sido reciclada para uso em eventos reais (Oates).
 "Uma das canções sobreviventes ritualísticas descrevem a procissão (talvez ao entardecer, quando a Lua Nova e a Estrela da Noite brilhavam juntas no céu) todos na Suméria estavam lá para honrá-la, fazendo um barulho alegre com harpas e tambores: soldados e sacerdotisas, casais respeitáveis, jovens com aros, donzelas e prostitutas com esvoaçantes lenços coloridos. As pessoas competiam com cordas de pular e cordões coloridos, homens e mulheres usavam roupas uns dos outros. Então a luz do céu aparecia: 'Minha Senhora, olhe na doce maravilha do céu. Ela olha nas maravilhas doces em todas as terras. E no povo da Suméria tão numerosos como ovelhas'.
 Nos tempos modernos, uma celebração velada do Festival de Ishtar acontece todos os anos na comunidade judaica. O feriado, chamado de "Purim" comemora o triunfo dos hebreus mais os de Haman e os Agagites. A heroína da história, Esther, usa sua sexualidade para influenciar o rei e salvar os judeus da morte. É interessante notar que Esther é uma versão hebraica do nome Ishtar. Há evidências históricas para apoiar que os judeus da Elam adoravam o deus acadiano Marduk, em vez de Jeová. Marduk, cujo nome hebraico é Mordecai, passa a ser outro, senão um dos, muitos consortes de Ishtar. A historiadora Barbara Walker acredita que "o livro bíblico de Esther é um mito Elamita secularizado de Ishtar".

Resultado de imagem
(Estátua de Inanna e, posteriormente, Ishtar. Datando de 2000 AEC)

 Ishtar, como deusa, representa a visão de um mundo superior e divino, emblemático, que traz a vida à terra, utilizando o feminino como portal sagrado. Ela é uma deusa de poder real, era ela quem dava poder aos reis e autonomia às rainhas, era Ishtar quem movia os povos e as nuvens com sua dança cósmica.

A pair of gold star-shaped ornaments, dating from the first millennium BC, to be applied to divine garments, probably Assyrian/Akkadian, in the shape of an eight-pointed star, the symbo of  Ishtar, goddess of love and war. (Photo: © The Israel Museum, Jerusalem)
(Ornamento em forma de estrela, de ouro, possivelmente como item de vestimenta de sacerdotisas ou de imagens da deusa Ishtar, datando do 1º milênio AEC - Museu de Israel)   

 É ela a estrela Sírius e a estrela da noite, a Vênus, e seu nome ISHTAR foi levado por outras tradições e sendo modificado, como por exemplo Istar. Percebemos, então, uma notável ''coincidência'' com a palavra STAR, em inglês que significa ESTRELA.
 Era símbolo da realeza, bem com o desta grande deusa, Ishtar, o leão que representava a força, a coragem, o domínio e o poder sobre as terras. A serpente também é símbolo desta deusa, também de Inanna e Lilith, que representa os mistérios internos da terra, a transformação, a magia e a sabedoria.
 A sua estrela de oito pontas representa a diversidade universal, o brilho e a luz dos povos que clamavam seu nome em troca de fertilidade, amor, prosperidade e vitórias nas guerras. Ela é clamada pelas mulheres, e homens afeminados, na hora das relações sexuais, é clamada em prol do amor e da proteção das casas. 
 Ishtar é a senhora que existe dentro de nós, aquela que veio das terras secas e férteis, levando a sensibilidade e a mutação da lua em nossas vidas, nos fazendo ser cada vez mais evoluídos e iluminados, portando o conhecimento, os dons de cura e das práticas oraculares. É ela a senhora que dá e que tira a vida, pois a mesma representa o portal celeste criador, recriador e transformado.

-Por: Sávio Costa Adon.

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NOTAS: Não pude achar a fonte e datação da primeira imagem do texto, o rosto de Ishtar, ou Inanna.

Fontes:
''Ancient Near Eastern Texts Reating to the Old Testament with Supplement'', diverso material reunido pela universidade de Princeton, Nova Jersey, e por James B. Pritchard.
''Gods, Demons and Symbols of Ancient Mesopotamia'' de Jeremy Black e Anthony Green.
''The Illustrated Golden Bough'', Sir James George Frazer.
''The Epic of Ishtar and Izdubar'', Tablete IV, Column III.
''Grandmother Moon'', Zsusanna Budapest.
'' Ishtar and Tammuz: A Babylonian Myth of the Seasons'', Christopher Moore.
''Ishtar: Deusa Celeste da Babilônia'' , texto de Mirella Faur.
''The Woman's Encyclopedia of Myths and Secrets'', Barbara Walker.



Comentários

  1. Excelente levantamento histórico e mitológico, detalhado e com uma abordagem múltipla e isenta de preconceitos.Parabéns e muitas bênçãos de Ishtar!Mirella Faur

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    1. Muito obrigado pelas suas bênçãos e seu carinho, Mirella.

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  2. Salve a poderosa deusa Ishtar... a Senhora das Terras!

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